SILVINO, PEDREIRO E POETA |
S
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ilvino nasceu numa vila do Alentejo. O pai era
trabalhador rural e a mãe fazia trabalhos de costura. Com sacrifício, porque o
tempo era de vacas magras, conseguiram que ele completasse a instrução primária.
Em breve, passou a acompanhar o pai, começando a aprender as lides do campo.
Mais tarde, faria também recadinhos à mãe, entregando os trabalhos às freguesas
e trazendo de volta a respectiva retribuição.
Quando regressava a casa, Silvino via sempre o
senhor Teodoro, um simpático velhote de longa barba branca, que passava os dias
sentado no pequeno degrau junto da porta de casa. Às pessoas que passavam,
respondia sempre em verso e, outras vezes, era ele que tomava a iniciativa
dirigindo-se-lhes do mesmo modo. Um dia, Silvino decidiu passar mesmo junto dele
e logo ouviu a sua voz:
- O menino é meu
amigo
Resolveu me
visitar…
…Se ficar aqui
comigo
Vou ensiná-lo a
rimar.
E ali ficaram juntos, sentados lado a lado.
Silvino aprendendo tudo o que Teodoro tinha para ensinar. Teodoro relembrando
velhos tempos, em que tivera também assim, perto de si, o netinho Pedro, agora
imigrado algures em França juntamente com os pais. E assim passou a acontecer
quase todos os dias. Silvino estava encantado. Em breve, também ele já falava em
verso, para os pais e para os vizinhos.
O
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tempo voa. Passa depressa demais.
Aproximava-se a hora de Silvino ter de arranjar trabalho para ajudar nas
despesas da casa. A vida estava cada vez mais cara, a mãe já não tinha tantas
clientes como antigamente e o pai via-se em palpos de aranha para encontrar
trabalho na agricultura.
Silvino aconselhava-se muito com o “avô
Teodoro”, como agora lhe chamava, e continuava igualmente a sua aprendizagem na
arte de rimar. Um dia, com muita pena sua, concluiu que não tinha futuro ali na
terra. Custava-lhe muito deixar os pais e também Teodoro, mas a decisão estava
tomada. No fim-de-semana seguinte, abalaria para Lisboa.
As despedidas foram difíceis, com muitas
lágrimas à mistura. Até o velhote chorou, como se dum familiar se tratasse.
Apanhou a camioneta da manhã para a capital. Através da janela, via a paisagem a
desfilar. Parecia estar a ver um filme.
A mãe dera-lhe um dinheirito para as primeiras
impressões e Teodoro também lhe dera uma nota “grande” e um pedaço de papel.
Silvino meteu a mão na algibeira e desdobrou-o para ler:
O Silvino é bom rapaz,
É a hora da partida ,
Sei que ele vai ser
capaz
De ganhar
a sua vida!
Olhou para trás, como se quisesse vê-lo.
Sorriu. Partira apenas há meia hora e já sentia imensas saudades.
M
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al chegou a Lisboa, com a sua “malita de
cartão”, procurou um alojamento. Encontrou uma pensãozita barata e foi dar uma
volta, para comer e para tentar localizar uma zona em que houvesse obras de
construção civil em
curso. Tinham-lhe dito que nesta actividade era fácil encontrar
trabalho e não eram necessários grandes conhecimentos nem muita aprendizagem.
Entrou numa tasca para comer uma sopa,
uns carapaus fritos com açorda e beber um copo de vinho, Desde manhã, só comera
as sanduíches que a mãe lhe preparara. Aproveitou para obter algumas
informações. Deu uma volta pelas ruas circundantes. Já sabia onde se dirigir no
dia seguinte. Regressou à pensão. Deitado na cama, olhando o candeeiro do tecto,
deu por si a pensar (também em verso):
Aqui estou eu em
Lisboa,
À procura dum
emprego
E de uma moça
boa
Que seja meu
aconchego…
A
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dormeceu, dormiu bem e às 7 da
manhã já estava na rua. Na segunda obra onde foi, arranjou logo trabalho. O
mestre, depois de falar com o empreiteiro, até lhe ofereceu alojamento num
contentor, enquanto não alugasse um quarto. Foi buscar a mala à pensão, que não
era longe, e logo começou a trabalhar. Era tudo boa gente. Gostaram do Silvino,
pois estava sempre bem disposto, fazia tudo de boa vontade e até falava em
verso, fazendo quadras a torto e a direito. Começaram a chamar-lhe “o
poeta”.
Acabada aquela obra, passou para outra, outra
e mais outra do mesmo empreiteiro. Alugara um quarto, onde estava mais à
vontade. Todos os domingos escrevia duas cartas, uma para os pais e outra para o
“avô” Teodoro.
Passaram-se vários meses em que foi feliz,
dentro do possível. Até já catrapiscava uma cachopa da sua vizinhança.
Infelizmente, porque «não há bem que
sempre dure», a crise no País começou a agudizar-se e, mais acentuadamente,
na construção civil. Os prédios construíam-se, mas quase ninguém os comprava. As
empresas faliam e os trabalhadores iam aumentar a estatística dos desempregados.
Silvino não foi excepção.
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em trabalho e sem dinheiro, teve de deixar o
alojamento e engrossar o exército dos “sem abrigo”. Pediu à senhora que lhe
alugara o quarto, para lhe guardar as cartas que viessem pelo correio. No
Alentejo, as coisas também não estavam famosas. Nem pensar em
regressar.
Dormia onde calhava. Tinha como pertences
apenas uma mochila com roupa e algumas folhas de cartão. Quando chovia, as
dificuldades eram maiores, mas acabava sempre por encontrar umas arcadas ou um
pátio, onde podia dormir sem lhe cair a chuva em cima nem encharcar os
ossos.
Durante o dia, posicionava-se em zonas de
algum movimento e, com um sorriso, ia fazendo as suas quadras a quem passava, As
pessoas achavam-lhe piada, davam-lhe dinheiro e por vezes até lhe pediam para
fazer mais versos. Nunca pedia esmola, mas – graças à sua “arte” – ia ganhando
alguns euros para se alimentar. Não via qualquer luz ao fundo do túnel, pois a
crise que assolava o País não parava de se agravar.
Continuava a escrever aos pais e ao senhor
Teodoro, não contando todavia as provações porque estava a passar. Ia buscar as
respostas à sua antiga “senhoria”, que gostava de o ver e sempre lhe ia dando
uma sopinha quente e uma peça de fruta. Soube um dia, pelos pais, que o “avô”
Teodoro morrera. Chorou silenciosamente e jurou a si mesmo, que lhe faria uma
quadra popular junto da sua campa, quando voltasse.
Dizia sempre aos pais que estava bem, que era
feliz e que um dia regressaria com bastante dinheiro. Sem o saber, Silvino
estava a dar razão a Fernando Pessoa, quando este escreveu:
«O poeta é um
fingidor.
Finge tão
completamente
Que chega a fingir que é
dor
A dor que deveras
sente.».
Gabriel de Sousa
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